segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Pulando Cercas


Pulando Cercas


Prof. Dr. Edivaldo Conceição Santos
(Docente de Literatura e Cultura Afro-Brasileira e Africana na UNEB)

Dentre os muitos artefatos culturais que veiculam poéticas libertárias, pode-se afirmar que o jornal Heteropia, vinculado ao Programa de Mestrado em Crítica Cultural, sediado na Universidade do Estado da Bahia, Campus II, organiza-se como uma dessas vozes que rompe radicalmente com o conformismo engessado de modelos culturais excludentes, praticados na sociedade brasileira e em outros modelos rançosos de sociedade.

Em textos veiculados no Heteropia, o operador textual vozes ganha novos significados e novos sentidos. Aproximando-se assim de outras tantas vozes tidas como recalcadas e reprimidas, até então não protagonizadas em determinados mosaicos sociais, inclua-se aí as vozes periféricas.

Entender tais vozes, significa replicá-las como deveriam ser, em um universo dinâmico, plural, multicultural, anárquico, necessários à compreensão contemporânea do mundo, em suas múltiplas feições de quereres que ainda primam e devem primar por inclusões de várias ordens em nome da vida e da vida real.

Nesse sentido, tais vozes, ancorados no Programa de Crítica Cultural, ecoam palavras cotidianamente desmontáveis, a exemplo de subalternidade, rizoma, questionamento, desmonte, semiologia, entre-lugar, transvalorizar, reinventar, criar, criticar, etc. Enfim, todas juntas e separadas ganhando novos ecos e asas que plainam em projetos, nos quais, ciência, estética, política e vida, caminham imbricados em produções que contemplam novos saberes e, com isso, esvaziando formas antigas, retrógradas, ainda replicadas pelas elites dominantes na contemporaneidade, plenas de autoritarismos ancorados em práticas de exclusão.

Com efeito, pode-se, portanto, visibilizar no Programa de Crítica Cultural uma nova agenda de saberes cuja produção artística-científica apresenta-se desmontada dos paradigmas retrógrados e, ao mesmo tempo, encenando outras produções libertárias, aliadas à reinvenção e reinvenções. Práticas essas, até então, ausentes nas plataformas dos estudos ditos “avançados”, mas reprodutores e mantenedores dos esquemas alinhados com o capital da e pela dominação explícita das relações culturais.

Ampliando um pouco mais sobre essas questões na contemporaneidade, forja-se, em caráter emergencial, refletirmos também sobre a reinvenção de mecanismos políticos, sociais, educacionais, jurídicos e outros princípios éticos que sirvam à vida como forma de reparação de tantos outros modelos implantados e centrados na exclusão, na perversão e exploração de vários povos do mundo.

Vale ressaltar, nesse mundo também dito brasileiro, que o homem deixe de ser objeto de subordinação das classes dominantes, lutando para chegar à condição de ser sujeito, como já pontuou o educador Paulo Freire.

Nesse sentido, prima-se, cada vez mais, pelas potências de todas as ditas subalternidades periféricas que compõem um vasto tecido social dessa e de tantas outras nações.

Portanto, e a favor de tudo isso, talvez fosse o caso dos heterotopistas alardearem para os quatro cantos do mundo, como vem fazendo; gritando, bye, bye, arcaísmos, tabuísmos, patriarcalismos, machismos, homofobismos, misoginismos, desigualdades forjadas pela selvageria do capital, etc., etc...

Portanto, na continuação deste exemplo de educação, legitima-se pensar os estudos culturais como fuga das arapucas, gaiolas e outras jaulas que nos impuseram. Mas, nos é mais prazeroso, amoroso, nós nos sentirmos livres, cidadãos livres, sujeitos de nossa própria história. Mesmo porque, ao colocarmos os pés no chão, sentindo os cheiros da terra em que nascemos, certamente, desejaremos nos retirar em massa do eterno plano do ideal que as elites nos impuseram, mas sempre visto como desconfiança, por esses mesmos homens da terra, por terem lhes incutido a mentira como suas e nossas realizações.

Portanto, no exercício do Programa, em que todas as linhas de fugas existem, oportunas e necessárias, os exercícios poéticos de liberdade, escancaram para quem quiser ver, ler, ouvir e tentar; nesse sentido, termina sendo também um convite para pular muros, até mesmo, passar por baixo deles, com o objetivo de escapar de toda forma de obscurantismos, fascismos e cerceamentos que nos impõem, como encena o poema de Aldo Aquino, poeta de nenhum lugar e de todo lugar.

Pulando a cerca
Gosto...
Muito de muros...
Tão só para desmontá-los...

Por eles...
E no entorno deles, migro...
De lá para cá...
De cá para lá...
Quando me dá na telha...
Quando na telha me dá...

E todo esse movimento...
Como se eles não existissem...
Em minha maquinaria inventiva...
De desmontar e poemar, vivo.

Gosto muito dos muros...
Esses, que nunca deveriam existir.
Nem aqui, nem ali, nem acolá...


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