segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Pós-Crítica/UNEB: 10 Anos, uma Carta de Amor que eu te Conto e Outros Pontos


Pós-Crítica/UNEB: 10 Anos, uma Carta de Amor que eu te Conto e Outros Pontos


Profa. Dra. Maria Anória de Jesus Oliveira
(Docente do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural/UNEB)



Encaro a tela em branco do computador. Vasculho a memória e busco preencher esse espaço com pontinhos pretos, os quais inundarão as páginas de um livro em construção: O Pós-Crítica, uma década de existência, desafios e conquistas.  Mas, o que dizer? Por onde começar? O que priorizar nessas travessias? Faço o recorte de uma história que não cessa: o antes, o agora, o porvir...

Como sou das águas e travo lutas contínuas para não me deixar “embrutecer por dentro” diante das exigências acadêmicas, tento seguir o caminhar da protagonista negra Geni, diante do seu jeito de  ser/estar e  expressar a  vida com “os olhos de dentro” (A cor da ternura, de Geni Guimarães). Na sintonia, uma pergunta emprestada de Clarice Lispector em seu livro Água viva: o que estou fazendo ao te escrever? Estou tentando fotografar o perfume...

O perfume, então...

Era um dos dias de greve na UNEB, há mais de uma década atrás, na região do campus I. Lá estávamos no almoço com outros colegas grevistas e ele, Osmar Moreira, um entusiasta docente do campus II, expressava seus propósitos: investir em um programa de pós-graduação que abarcasse as linguagens das margens. O carismático professor falava, falava, ouvia, falava, falava, estimulava. Em meio à prosa, uma pergunta:

“— Quais textos os jovens do ensino médio do recôncavo baiano tinham acesso?” Revisitando vivências da Educação Básica em São Sebastião do Passé (depois em Salvador), lembrei-me: Gibis, Sabrinas, Biancas, Fotonovelas... Respondi.

Eureka! Ele tocava em algo que fazia sentido! Concluí, então, no ensino Fundamental éramos ávidos leitores! Consultávamos as velhas enciclopédias expostas nas estantes de nossas casas, onde eram exibidas às visitas antes e após termos televisão. Eram as ferramentas de estudo para a realização de trabalhos escolares.

Também, uma verdadeira febre: Gibis, Sabrinas, Biancas e Fotonovelas das mais variadas. Comprávamos, colecionávamos, emprestávamos e líamos com veracidade (Tio Patinhas, Pato Donald, Mônica, Os irmãos Metralhas, Chico Bento...). Ou seja, assim nos constituíamos enquanto leitores, cujos textos eram acessíveis nas bancas de revistas ou em pequenas livrarias situadas no interior da Bahia e, inclusive, na metrópole baiana.

Mas, onde se estudava tais textos e outros não restritos ao cânone acadêmico? Afinal, tratava-se de linguagens das margens a seduzir a juventude pobre (e preta, a maioria) que não tinha acesso à literatura clássica.

Na ocasião compartilhei o que sofri na vida acadêmica quando da graduação e da especialização em uma universidade paulista, na qual me formei nos anos 90, ao empreender estudos sobre personagens negros na literatura. E a resposta enfática de uma docente que foi consenso das demais: Isso não é literatura! Questões sociais, raciais, ideológicas... A literatura, argumentava/m, está para além dessas questões! Uma voz solitária, a minha, na época, foi ao campo de batalha: a “arena do saber/poder”, defendeu a causa em combate, obteve a aprovação, mas, também, o trauma da exposição.

Jamais esqueci aquela interdição. Traumatizei por certo tempo. Depois, destravei. Fui de encontro à ordem do discurso instituído academicamente e dediquei-me às sucessivas pesquisas. A interdição de outrora me mobilizou à imersão no campo de estudos das relações étnico-raciais, respectivas literaturas e outras incursões d’Áfricas nessa negra diáspora. Como, então, não escrever essa carta de amor ao Pós-Crítica e ao que esse programa representa em minha trajetória? Quantos/as de nós não passamos por semelhantes situações? Deixo-te essa provocação.

A breve digressão acima é, apenas, para explicitar o porquê do encantamento com o Pós-Crítica, onde encontrei parceiros/as que, em seus respectivos projetos de estudos, voltam-se às linguagens das margens e não só aos textos canônicos que, na realidade, fizeram/fazem parte de meu repertório de leitura e paixão (mas, um capítulo de outras histórias que não vem ao caso agora).

Entrelaçando os fios do pensar... Osmar, o atual coordenador do Programa disse, na época, estar elaborando uma proposta de mestrado que abrangeria as linguagens das margens. A proposta era inovadora e original. Faria a diferença na UNEB e em outros programas, explicava. Amei! Concordei e notei a relevância das ideias em formulação. Sonhei vê-las efetivadas.

Encantado com o projeto, o citado professor problematizava a noção de leitura/literatura e a marginalização, nas universidades, dessas linguagens e outros letramentos das diferenças (os quais, aqui, considero linguagens das margens). Depois, saímos da greve e voltamos às lidas diárias em distintos departamentos.

O tempo seguiu seu curso...

Já afastada, morando fora por conta do doutorado, avistei, entre os e-mails, o esboço do projeto de mestrado em fase de elaboração pelo citado professor (e outros/as docentes, se não me falha a memória). Já não era mais um sonho! O Pós-Crítica, desde então, um projeto de vida em estruturação. Daquelas travessias o porvir.

Em 2011, com o programa em curso, tive a alegria de ser convidada a compor a equipe. Antes, porém, a análise de currículo etc. … De lá para cá minha vida girou. E, tenho certeza: a de muita diferente gente que dele fez/faz parte.

O Pós-Crítica, pelo exposto e muito mais, move e mobiliza a seguir em frente como versificou Mario Quintana: O adolescente:

A vida é tão bela que chega a dar medo.

Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita,
mas

esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.
[...]

Adolescente, olha! A vida é nova...
A vida é nova e anda nua
— vestida apenas com o teu desejo!

Assim noto o programa em algumas investidas arrojadas e desafiantes, pois, já senti, nas travessias “esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz/o jovem felino seguir para frente farejando o vento/ao sair, a primeira vez, da gruta”.

O Programa é jovem, avança à “adolescência”, portanto. E, de certa forma, ao sair da “gruta” (da ideia, do papel, das meras burocracias) redimensiona a arte de pensar/pesquisar e viver a academia. Transformamo-nos! (Um dos resultados, vale conferir: https://portal.uneb.br/poscritica/).

No Pós-Crítica/UNEB, novos e constantes desafios: literatura e culturas, modos de produção; letramentos, identidades, formação de educadores/as para as relações étnico-raciais... A literatura e demais artes, sabemos, não estão alheias às injunções do tempo. Seguimos à direção do pensamento da escritora nigeriana Chimamanda Adichie (2008): muitas histórias importam!

Viabilizam-se e visibilizam-se, nas pesquisas, distintas histórias e seus protagonistas. Ou seja, das margens emergem vozes das diferenças através de estudos empreendidos por mestrandos/as da região, adjacência e outros estados.

O Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural (Pós-Crítica/UNEB) é repleto de desafios, é bom destacar! Vai um, vem outro e mais, outros mais, em um mar sem fim de marés altas. Baixas, a simbolizar calmarias? Desconheço. Talvez daí o grande apreço pelo programa apesar de, também, desejar a calmaria dos rios para desanuviar o pensar. Um dia, quiçá! Um dia... Até lá, vida que segue.

O céu é o limite, pois ele, o coordenador (que não é “deste mundo”, ressalto), agregou uma plêiade de estudiosos/as (desse mundo? Talvez não...) nos 10 anos de existência e potências do Programa agora, a alçar novos voos: a internacionalização e a mais recente conquista: o DOUTORADO!

Seguimos, assim, na contramão da história de retrocessos sem precedentes e acintosas perseguições às universidades públicas no país. Nesse pacote, a ameaça de mordaça e o cerceamento à liberdade de expressão. A despeito de tais entraves: resistimos e nos fortalecemos.

Vale ressaltar: o Pós-Crítica é uma semente plantada em solo fértil nas terras da “lagoa pequena”: Alagoinhas. Para germiná-la muita dedicação, suor e sonhos em noites de pouco sono madrugada afora, finais de semana, férias e feriados...

E os sonhos não cessam! O Pós-Crítica rompe barreiras e vai além: BRICS (Rússia, Índia, China e a África do Sul), unindo continentes. Da América do Sul ao Norte... Antes, porém, os diversos estados do país e respectivas instituições.

Para não concluir...

Enfim, deixei-me derramar através de pontinhos pretos nesse espaço em branco para expressar a alegria de fazer parte dessa gente que faz acontecer, a despeito do delicado contexto brasileiro a afetar nossa saúde física e psíquica. Por isso mesmo: Pós-Crítica neles/as!

Gratidão àqueles/as que, antes, com a gente caminhou, mas teve que seguir outras veredas. Viva a UNEB, a “menina dos olhos meus” e o Pós-Crítica, um bonito pedaço do meu viver e reexistir “desafiando o vento”. E, olhe, não citei aqui as dissertações defendidas por orientandos/as, as relações efetivas e afetos, os grupos de pesquisas, companheiros/as docentes...

Diante da exposição que se alongou por demais, chamo à roda desse diálogo em água a importante frase do inesquecível (ex-)presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso político: A educação não se faz com armas, mas com livros. Sábias palavras de um nordestino que fez/faz a diferença e mais investiu nas universidades que, hoje, tentam destruir.

Em nosso caso, querido Lula, diria, a re/educação resulta de dissertações e, em breve, teses, a fortalecer nossas frentes de luta na arena do saber/poder, a academia, onde conquistamos o direito de, juntos, tecer o porvir a começar pelo agora: Olha! A vida é nova.../A vida é nova e anda nua/— vestida apenas com o teu desejo! Pós-Crítica/UNEB!

Agora, enfim, de fato... Pra não dizer que não falei das flores:

... Caminhando e cantando e seguindo a canção...
...Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
(Geraldo Vandré).


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