quinta-feira, 29 de agosto de 2019


Pelo Pós-Crítica


Prof. Dr. Ari Lima

(Docente do Pós-Crítica/UNEB)



Foi-se o tempo em que um intelectual era uma espécie de pessoa humana de vasta formação livresca, capaz de se debruçar e responder às questões fundamentais da humanidade ou a problemas ordinários do cotidiano sempre com o mesmo grau de serenidade e persuasão. Ou seja, em um mundo consciente infinitamente menor, mais facilmente demarcado pelos parâmetros científicos e filosóficos, a voz, o pensamento, o texto de um intelectual era uma espécie de tábula rasa.

Para o bem e para o mal, contemporaneamente, o mundo nos parece muitíssimo mais complexo e vasto de tal modo que sujeitos e modos de conhecimento antes desconhecidos ou subsumidos pretendem se apresentar, ao invés de serem representados, em circuitos de voz, pensamento e texto inimagináveis. Sendo assim, o mais erudito intelectual não tem resposta para tudo até porque não lhe será possível acumular experiência livresca e cotidiana dos inumeráveis textos hoje disponíveis, em inumeráveis línguas e linguagens.

Do mesmo modo, não lhe será possível ser dotado da voz e do pensamento de tantos sujeitos emergentes através de processos vitais autônomos e imponderáveis à prática do conhecimento acadêmico. A meu ver, o Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural, em seus dez anos de existência, embora seja regulado por critérios acadêmicos e de avaliação do campo disciplinar das Letras e Literatura — sobretudo livresca, porque há também o que temos definido como literaturas orais — tem feito um esforço de modo a compartilhar um conhecimento acadêmico universalmente disseminado e ao mesmo tempo instituir no contexto acadêmico-universitário sujeitos, vozes e pensamentos inusitados e, por completo, indecifráveis.

Neste sentido, a meu ver, tem afirmado muito menos resultados ou reflexões definitivas e muito mais disposição ao debate sobre aquilo que parece nos dizer respeito a todos e àquilo que parece ser muito particular. Não é uma tarefa fácil nem fluida. Sendo assim, em algumas vezes, me parece, acertamos mais, em outras, acertamos menos, e em outras ainda, teríamos incorrido em erros ou distorções de descrição, de compreensão e de avaliação da realidade social e dos seus problemas variados. Ou seja, para a surpresa de muitos que duvidaram do potencial crítico de um programa de pós-graduação instalado em uma universidade modesta, embora de grande potencial insuficientemente explorado, temos feito ciência assim como temos incorporado saberes à universidade. Temos praticado e transmitido o que se compreende como espírito científico assim como temos, pouco a pouco, aprendido a observar, perguntar e responder às questões fundamentais da humanidade e a problemas ordinários do cotidiano desde de pontos de vistas que podem parecer sem método, sem aparato teórico, sem direção. Os próximos dez anos serão tempo de amadurecer e sistematizar ainda melhor nossa trajetória, superando o aparente caos e a desesperança moral e política nacional que também nos acomete.

Vida longa ao Pós-Crítica!



Quando a Crítica Abre as Comportas da Memória Cultural


Elizabete Costa Suzart
(Mestranda em Crítica Cultural/UNEB)



No decorrer do VI Encontro de Arte e Cultura, ocorrido em Alagoinhas em 2017, fui convidada para levar representantes do Projeto Portal Tupinambá, localizado no Litoral de Entre Rios, região de Massarandupió. Com o intuito de satisfazer à curiosidade de alunos de uma das instituições de ensino na cidade, trouxe representantes do Povo Kariri-Xocó, de Alagoas, e Fulni-ô, de Pernambuco, para atividades artístico-cultuais, através do seu emblema de identidade étnica, mantida no Toré, que é expresso em forma de danças e cantos voltados à ancestralidade desses povos originários. A apresentação foi estendida até o Centro de Cultura de Alagoinhas. Lá se encontrava não somente um evento regional voltado para a arte e cultura, mas um convite ao diálogo intercultural movido pela tentativa de se estabelecer confrontos com os mecanismos que marginalizam e, portanto, excluem os indivíduos do convívio social, promovidos pela cultura hegemônica que hodiernamente convivem nos espaços institucionais.

Deste convite, houve uma extensão que me trouxe de volta à academia, a mesma instituição onde fui graduada em 1994, FFPA/UNEB (Campus II). Após esses quase vinte e cinco anos fora da instituição, fui atraída pela subjetiva decisão de trazer a minha prática de conscientização nas instituições de ensino acerca da existência de povos indígenas, não somente ao nosso redor, mas por todas as regiões do Brasil, clamando por ter vez e voz ativa no que diz respeito às suas questões de reivindicar suas terras e sua forma de resistência aos séculos de expropriação pela colonização e que nos impelem a uma atitude decolonial. Abrindo um dos livros que poderia também ter sido indicado na bibliografia da seleção para Mestrado em Crítica Cultural, Moreira (Folhas venenosas do discurso, 2002, p. 74) cita Michel Foucault (Os intelectuais e o poder. In: Microfísica do poder, p. 71):

O papel do intelectual não é mais o de colocar “um pouco na frente ou um pouco mais de lado” para dizer a muda verdade de todos; é antes a de lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da “verdade”, da “consciência”, do discurso.

Foi exatamente o seu comentário nesse pé-de-página que me instigou e fez garantir de maneira assertiva que dali por diante seriam abertas as comportas a uma crítica que trouxesse à tona as memórias voltadas para a interpelação de cultura no contexto que me encontrava, a indígena. A reflexão foi dilatada e embora ainda não tivesse atingido a cota sugerida de leituras para os desafios de uma seleção a nível de outra universidade que participei fora do Brasil, anos atrás, já concluía que os condensados textos que resumiram a obra A luta desarmada dos subalternos, me fizeram crer que o caminho era uma reta transversal, paradoxalmente traçado e propício a multiplicidades do pensamento que não deixaria de ser munido de muita imaginação, principalmente de fazer da “língua uma máquina de guerra”, rumo ao multiculturalismo e às possibilidades de perceber o bilinguismo ocultado a este povo que desde o silenciamento de se pronunciar em público, na sua língua nativa, não deixaram de experimentá-la na calada da noite, dentro da mata, através dos seus cantos ancestrais imprecando ao Grande Espírito muito mais que proteção, além de resistência a vigília da sua memória ancestral. Desta forma, sigo com projeto em pesquisa que observo o povo a se fazer não somente ator e autor de sua história, mas de tornar a sua língua nativa a razão de ser e viver a cultura Kariri-Xocó, elevando o bilinguismo a um patamar que produz além de cultura, muito orgulho em ver seus cantos traduzidos e proferidos aos ouvidos do mundo. Esta egrégora mobiliza de maneira sinestésica o universo indígena e todos que dele quer se apropriam.



Quantos Sonhos Cabem em uma Década?


Júlia dos Anjos Costa
(Mestranda em Crítica Cultural/UNEB, turma 2018.1)


Desde criança eu sempre soube que Comunicação seria minha área e jornalismo minha profissão. Idas e vindas da vida, ingressei no curso de Publicidade e Propaganda com bolsa integral do ProUni, na cidade de Feira de Santana, em 2007. Foram anos de percurso diário no trecho Feira x Alagoinhas que me causavam não só o desgaste físico e mental, mas principalmente testavam a força de vontade de uma recém adulta que buscava a realização de um sonho. Posteriormente, me mudei para Feira no intuito de concluir os estudos e construir uma carreira na área. Experiências vividas, conhecimento adquirido, diploma conquistado em 2011: reviravoltas que independiam da minha vontade me fizeram retornar para Alagoinhas em 2013.

De volta à minha terra, deparei-me com as adversidades de uma cidade do interior que ainda engatinhava vagarosamente na comunicação. A ausência de recursos e oportunidades de trabalho me fizeram acreditar, por muito tempo, que tanto investimento material e emocional na graduação foi em vão. Buscando meios de sobreviver, me aventurei como professora de reforço escolar para crianças e adolescentes durante quatro anos, dividindo-me entre a prestação de serviços como instrutora no Senai. Foi aí que me descobri professora e entendi qual seria verdadeiramente minha profissão.

Em 2017, Fabiane Guimarães, uma amiga de longa data de Feira de Santana foi aprovada no Pós-Crítica e imediatamente se tornou companheira de discussões sociais, políticas e filosóficas do café da manhã até altas madrugadas. Dividimos o mesmo teto por dois anos, sendo a responsável por me mostrar que, assim como ela, eu também poderia ingressar no mestrado, pois o curso, em suas palavras “tinha tudo a ver comigo”. Meio desacreditada da conquista e sem me julgar capaz de alcançá-la, me inscrevi como aluna especial na disciplina Tradição Oral e Cultura Popular, com Katharina Doring. Não acreditei quando o resultado foi divulgado, até finalmente me dar conta que a possibilidade de cursar um mestrado na UNEB era real. No semestre seguinte, me inscrevi em outra disciplina, desta vez Linguagens e Sala de aula, com Nazaré Lima e Lícia Maria. Me senti cada vez mais encorajada por elas, por minha amiga e pelos colegas, a tentar a seleção de aluno regular no fim do mesmo ano, paralelamente à conclusão da disciplina.

O longo e árduo processo, iniciado já na construção do projeto exigido para inscrição, me mostrou, desde o início, que o caminho não seria fácil. Nos dois últimos meses do ano, a ansiedade me dominava de tal modo que adoeci, não conseguia comer e emagreci drasticamente. Conseguir ser aprovada na seleção após seis anos de conclusão da graduação não era somente questão de vontade, era questão de ter a chance de um recomeço após anos de autodepreciação e descrença profissional.

Quando o resultado foi divulgado, em meados de dezembro de 2017, milagrosamente as dores de estômago e falta de ar constantes sumiram. Nenhum médico foi capaz de diagnosticar que meu problema era ânsia de viver tudo que eu queria, que eu podia e que eu merecia. Ingressei oficialmente na turma de 2018.1 e atualmente vivo outro processo, ansiosa pela conclusão do curso, principalmente no contexto político, social e econômico que estamos vivendo, rodeados de ignorância e opressão que eu, aos 31 anos, nunca imaginei que veria de perto.

Mais do que um curso de mestrado no interior da Bahia, o Pós-Crítica mudou significativamente minha trajetória de vida, não somente pelo incomensurável aprendizado, elevação do pensamento crítico e por ter me aproximado do feminismo com toda insurgência que sempre carreguei. Cursar o mestrado me mudou, principalmente pelas relações humanas construídas e toda transformação que estas possibilitaram. Porque de nada adianta alcançar níveis intelectuais julgados como excelentes e admiráveis, ter um Lattes recheado de publicações e congressos, títulos e mais títulos acadêmicos se esquecermos que a vida é feita da matéria humana, é feita de gente. E o aprendizado que cada indivíduo nos provoca (e que nós provocamos), independente de ter nos feito mal ou bem, nenhum diploma pode oferecer.

Em 2007 entrei na graduação. Em 2017, comecei a caminhar no Pós-Crítica. Respondendo a pergunta inicial “quantos sonhos cabem em uma década?”, respondo: parei de contar quando aprendi que somos feitos de ciclos intermináveis, onde muitas vezes temos que mudar de rumo e construir novos sonhos. Às vezes sozinhos, às vezes ao lado de pessoas que incentivam, acreditam e torcem por nós.

Posso parabenizar o Pós-Crítica pelos 10 anos de existência? Posso. Mas prefiro agradecer aos colegxs, amigxs, professorxs, orientadora, funcionárixs, alunxs do tirocínio e demais pessoas envolvidas que direta ou indiretamente cruzaram meu caminho e, de algum modo, contribuíram para que muitos sonhos fossem possíveis. Muito obrigada!


Um (Re)Tornar-Ser Crítico Cultural


Eider Ferreira Santos
(Mestre em Crítica Cultural/UNEB) 


Nestes 10 anos de existência do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural intenciono, por meio destas linhas, materializar minha memória do vivido nesse ambiente de intensa produção; por isso, um (RE)TORNAR-SER enquanto duplo sentido do retorno e do SER, pois é no fio da memória que nos tecemos. A princípio é preciso considerar que o SER crítico cultural não está posto como concluso, mas em construção, pois é desse modo que me foi apresentado.

Ser crítico cultural é estar em devir, em ser, em tornar-se. Isso me faz recordar a não existência de verdade absoluta, concluída, maior ou menor, mas que existem versões; existem possibilidades, existem rizomas que levam a diversos caminhos. Foi justamente esse pensamento crítico cultural que me fez crítico cultural em processo, em (re)tornar-ser. E para tornar-se é preciso retornar.

Retorno aos momentos de intensas discussões teórico-epistemológicas nos diferentes laboratórios de pensamento crítico, seja através da Metodologia em Crítica Cultural nos seus desmontes dos métodos, do retorno ao cotidiano; das Políticas da Subjetividade, nos lembrando a subjetividade como lugar de manifestação dos conhecimentos, da valorização das narrativas de si; das Teorias e Críticas da Cultura com seu hibridismo e pluriculturalismo; da Literatura, Cultura e Modos de Produção com a produção da vida e da existência como outra alternativa; da Literatura Afro-Brasileira e Africana pensando a resistência do negro da na arte e na vida. Retorno à Fábrica de Letras, em seu período nascente, enquanto convite à difusão do conhecimento, editando, reeditando, democratizando as pesquisas; retorno a WebRádio Pós-Crítica, como lugar de transcendência do conhecimento; retorno aos Seminários Entrelinhas, lugar do debate e crescimento. Retorno à produção científica, notadamente a escrita da dissertação, me lembrando a potência da palavra, da língua, da pesquisa enquanto lugar de resistência. Retorno à minha Defesa de Dissertação, ocorrida na escola onde cursei o ensino médio, momento pós-crítico que só esse programa poderia me proporcionar: pesquisa de mestrado assistida e ouvida por alunos, professores, funcionários, comunidade, familiares.

É, pois, esse retornar que me torna crítico cultural, agora inserido no mundo, no mundo do trabalho, no mundo da escola, no mundo das interações sociais, como presença resistente, tendo as letras, o discurso, a literatura, a língua como arma de luta.

Por tudo isso, obrigado Pós-Crítica! Vida longa e produtiva!


sábado, 24 de agosto de 2019

Pós-Crítica, 10 Anos: meu Devir Estudante-Pesquisadora

Elizia de Souza Alcântara
(Mestra em Crítica Cultural/UNEB;
Doutoranda em Cultura e Arte/IHAC/Programa Multidisciplinar/UFBA)


Minhas Andanças! [Um Memorial em Quadrinhos]







Pós-Crítica, 10 Anos: meu Devir Estudante-Pesquisadora

Elizia de Souza Alcântara
(Mestra em Crítica Cultural/UNEB;
Doutoranda em Cultura e Arte/IHAC/Programa Multidisciplinar/UFBA)


Porque escrever é já organizar o mundo, é já pensar...
É, pois, inútil pedir ao outro que se re-escreva,
se não está disposto a re-pensar-se” (Roland Barthes).


Abro o meu texto com o memorial apresentado ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade/IHAC/UFBA na qualificação do doutorado ocorrida em 8 de dezembro de 2018. Nas minhas memórias afetivas, a Universidade Estadual da Bahia (UNEB) sempre esteve presente e, especificamente no mestrado em Crítica Cultural, construí novas andanças, experimentei (re)encontros, (des)montei concepções, operei com releituras, potencializei o que estava “adormecido” (o desejo de (re)viver a universidade, de voltar a ler, escrever, problematizar, “desconfiar” das cenas contemporâneas, etc.) e, assim, o meu devir estudante-pesquisadora tomou fôlego, intensificou-se. Por isso, tenho orgulho (em tempos difíceis, de precariedade da vida e das barbáries) de afirmar: sou unebiana! Sou pós-crítica! Sou devires!

A emoção toma conta de mim. As vivências. Os encontros. Os conflitos. Os medos. Os desafios. As conquistas. Passa um filme na minha cabeça. Cenas marcantes. Inesquecíveis. Potentes. Pulsantes. Algumas delas, aqui, testemunhas do que foi (con)viver na comunidade pós-crítica.

Cena 1: Já tinha concluído a especialização em Estudos Literários e, por algumas vezes, visitava o Campus da UNEB, em Alagoinhas. Numa dessas visitas, reencontro Osmar (o “cara” que me motivou, me “desorientou”) e ele diz? O que tem feito? Repondo: dando aula (em Pojuca e na rede estadual) e também atuando como coordenadora sindical (APLB/núcleo). Por que não vem fazer o mestrado em Crítica Cultural? O movimento sindical é uma possibilidade de investigação acadêmica. Daí, a ideia/sugestão ficou “martelando” por muito tempo. Até que disse: vou tentar... Não enveredei pelo movimento sindical. Abracei o estudo e a análise dos Quadrinhos (Nona Arte). Devir mestra, presente!

Cena 2: Como aluna especial, tive o prazer (que prazer!!!) de reencontrar Jailma e conhecer Anória (presente de afeto e acolhimento!). O abraçamento nos encontros com Jailma me rendeu um crescimento fantástico! De saberes. De motivação. De afirmação da vida. De nada adianta re(x)istir e “perder” o afeto. É reexistir com afetos, mesmo que uns não queiram. E Anória? Minha e nossa Anória! No Seminário Interlinhas, ouvi dela: “pesquisar não é procurar cabelo em ovo”... E foi depois dessa fala que “nasceu” o meu problema de pesquisa. Obrigada, Jailma! Obrigada, Anória! Devir pesquisadora, presente!

Cena 3: A acolhida da minha turma de 2013. Cheguei ao mestrado com algumas dificuldades (fiquei um bom tempo afastada do ambiente acadêmico e das propostas de produção textual) e, para experimentar o período de creditação dos componentes curriculares, tive parcerias decisivas, como as presenças das amigas Evanildes e Gislene. Sim! Elas verdadeiramente me “adotaram” durante todo o curso! Estudávamos juntas. Trocávamos dúvidas. Pesquisávamos. Uma acolhia a outra em todos os momentos (nos conflitos também!!!). Artigo. Resumo. Resumo expandido. Regras da ABNT. Estrutura da dissertação… Da teoria à escuta sensível! Amizades no Pós-Crítica, presenças! A todos e todas: valeu!!!! Obrigada!

Cena 3: Minhas professoras, meus professores do Pós-Crítica: parcelas de saberes, de responsabilidade social, de resistência, de lutas que trago comigo nos espaços públicos e/ou privados por onde transito. Obrigada! Arivaldo Lima: seriedade e compromisso. Carlos Magno: festa de saberes e motivação. José Carlos Félix: sensibilidade e segurança. Paulo César Garcia: desafios e responsabilidade. Washington Drummond: enfrentamentos e resistências. Roberto Seidel (professor e orientador): leveza e calmaria. Edil Costa (no papel de coordenadora ): coragem e compromisso. Osmar Moreira: (des)orientador e revolução. Os rizomas do fazer acadêmico, presentes! Presenças!

Cena 4: Secretaria do Pós-Crítica, funcionárias e funcionários: colaboradores sérios e comprometidos. Obrigada, a todos, todas!!! Ad (Adnailsa): sensibilidade e acolhimento. Maiara: alegrias e solidariedade. Bruna: afetos e disponibilidade. Apoiadores e apoiadoras do Pós-Crítica, presenças!

Minha cenas agora:
Universidade Federal da Bahia: encontro-me na fase da pesquisa orientada. Mantenho o mesmo objeto de pesquisa do mestrado em Crítica Cultural: a Turma do Xaxado, do nosso quadrinista Antonio Cedraz com o seguinte título: Da gramática dos quadrinhos à performance poética de Antonio Cedraz: narrativas, vozes e discursos. Defesa final prevista para o dia 4 de julho de 2020.
Rede Municipal de Ensino Pojuca/Bahia: em licença para curso de pós-graduação.
Rede Estadual de Ensino /Pojuca/Bahia: com carga horária de 20 horas, trabalho com turmas de Ensino Médio, nos componentes curriculares: Língua Portuguesa, Práticas Integradoras e Sociologia.

Na vida:
Repensando-me.
Reescrevendo-me.
Obrigada, Pós-Crítica!



Canto de Voar


Marluce Freitas de Santana
(Mestra em Crítica Cultural/UNEB, turma 2014; Docente da UNEB)


Imaginem vocês!
uma transa arretada,
daquelas que deixa a gente arriada,
mas nunca saciada
de tanto amor pra amar!

Imaginem outra cena
da tecelã inconformada
com o resultado da sua arte,
destecendo com vontade
pra outra tessitura criar!

Imaginem uma história
de quem recorta da memória
experiências (re)existentes,
ressignificadas, renascentes
de um casulo dormente,
num pós-tempo acreditar.

Pois foi assim que um dia,
estava eu acomodada,
meio sem lume, sem mirada
feito lagarta a rastejar...
mas naquela letargia
eu pensava — que bom seria,
se criasse asas e a mania de voar, voar, voar!

Viajaria por toda parte,
quem sabe iria até Marte,
ao infinito, ou coisa assim!
Mas como uma mulher conseguiria?
sendo avó, mãe, esposa, professora, e tia,
experimentar essa alquimia
e do casulo voar, voar sem fim?

Esta busca inquietante
me levou a uma constante
necessidade de desbordar,
E, desbordando as últimas trilhas,
procurava alternativas
pro desejo de reinventar.

Foi aí que uma hermana,
conhecendo minha gana
de vontade de voar,
trouxe-me a feliz notícia
de um programa Pós-Crítica,
experiência singular.

Uma janela potente
para os estudos da gente
que escolheu na cultura
objeto pra estudar.

Foi aí que achei o húmus,
a sintonia, o rumo
e com a cabeça em prumo
nas letras evaristianas mergulhei,
desvendando sua escrita
“Literafrofeminista”
subversão biopolítica,
nesse universo me encontrei.

Foi poiésis, aventura,
escrevivências, tessituras,
deslocamentos...
que loucura!
no meio da roda vi dançar,
todas as minhas certezas
e nessa dança — que beleza!
minhas crenças? com certeza,
foram de pernas para o ar.

No combate às desigualdades
e qualquer subalternidade
o papel da universidade
é estratégico, eu sei.
Nesse sentido, o Pós-Crítica,
por sua estratégia política,
se destaca e se qualifica
agente de transformação social.

Nesses 10 anos de existência
e notória relevância
se comprova a importância da Crítica Cultural,
que toma o campo linguístico,
literário e artístico para o desmonte dos nichos de poder colonial.

E por isto, neste momento,
cheixs de contentamento
temos muito a festejar.
Parabenizar os/as docentes
por dedicarem-se presentes
a esta consolidação;
e também aos estudantes,
egressos, atuais e visitantes,
por todo sucesso desse instante
e de muitos anos que virão.

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Pós-Crítica/UNEB: 10 Anos, uma Carta de Amor que eu te Conto e Outros Pontos


Pós-Crítica/UNEB: 10 Anos, uma Carta de Amor que eu te Conto e Outros Pontos


Profa. Dra. Maria Anória de Jesus Oliveira
(Docente do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural/UNEB)



Encaro a tela em branco do computador. Vasculho a memória e busco preencher esse espaço com pontinhos pretos, os quais inundarão as páginas de um livro em construção: O Pós-Crítica, uma década de existência, desafios e conquistas.  Mas, o que dizer? Por onde começar? O que priorizar nessas travessias? Faço o recorte de uma história que não cessa: o antes, o agora, o porvir...

Como sou das águas e travo lutas contínuas para não me deixar “embrutecer por dentro” diante das exigências acadêmicas, tento seguir o caminhar da protagonista negra Geni, diante do seu jeito de  ser/estar e  expressar a  vida com “os olhos de dentro” (A cor da ternura, de Geni Guimarães). Na sintonia, uma pergunta emprestada de Clarice Lispector em seu livro Água viva: o que estou fazendo ao te escrever? Estou tentando fotografar o perfume...

O perfume, então...

Era um dos dias de greve na UNEB, há mais de uma década atrás, na região do campus I. Lá estávamos no almoço com outros colegas grevistas e ele, Osmar Moreira, um entusiasta docente do campus II, expressava seus propósitos: investir em um programa de pós-graduação que abarcasse as linguagens das margens. O carismático professor falava, falava, ouvia, falava, falava, estimulava. Em meio à prosa, uma pergunta:

“— Quais textos os jovens do ensino médio do recôncavo baiano tinham acesso?” Revisitando vivências da Educação Básica em São Sebastião do Passé (depois em Salvador), lembrei-me: Gibis, Sabrinas, Biancas, Fotonovelas... Respondi.

Eureka! Ele tocava em algo que fazia sentido! Concluí, então, no ensino Fundamental éramos ávidos leitores! Consultávamos as velhas enciclopédias expostas nas estantes de nossas casas, onde eram exibidas às visitas antes e após termos televisão. Eram as ferramentas de estudo para a realização de trabalhos escolares.

Também, uma verdadeira febre: Gibis, Sabrinas, Biancas e Fotonovelas das mais variadas. Comprávamos, colecionávamos, emprestávamos e líamos com veracidade (Tio Patinhas, Pato Donald, Mônica, Os irmãos Metralhas, Chico Bento...). Ou seja, assim nos constituíamos enquanto leitores, cujos textos eram acessíveis nas bancas de revistas ou em pequenas livrarias situadas no interior da Bahia e, inclusive, na metrópole baiana.

Mas, onde se estudava tais textos e outros não restritos ao cânone acadêmico? Afinal, tratava-se de linguagens das margens a seduzir a juventude pobre (e preta, a maioria) que não tinha acesso à literatura clássica.

Na ocasião compartilhei o que sofri na vida acadêmica quando da graduação e da especialização em uma universidade paulista, na qual me formei nos anos 90, ao empreender estudos sobre personagens negros na literatura. E a resposta enfática de uma docente que foi consenso das demais: Isso não é literatura! Questões sociais, raciais, ideológicas... A literatura, argumentava/m, está para além dessas questões! Uma voz solitária, a minha, na época, foi ao campo de batalha: a “arena do saber/poder”, defendeu a causa em combate, obteve a aprovação, mas, também, o trauma da exposição.

Jamais esqueci aquela interdição. Traumatizei por certo tempo. Depois, destravei. Fui de encontro à ordem do discurso instituído academicamente e dediquei-me às sucessivas pesquisas. A interdição de outrora me mobilizou à imersão no campo de estudos das relações étnico-raciais, respectivas literaturas e outras incursões d’Áfricas nessa negra diáspora. Como, então, não escrever essa carta de amor ao Pós-Crítica e ao que esse programa representa em minha trajetória? Quantos/as de nós não passamos por semelhantes situações? Deixo-te essa provocação.

A breve digressão acima é, apenas, para explicitar o porquê do encantamento com o Pós-Crítica, onde encontrei parceiros/as que, em seus respectivos projetos de estudos, voltam-se às linguagens das margens e não só aos textos canônicos que, na realidade, fizeram/fazem parte de meu repertório de leitura e paixão (mas, um capítulo de outras histórias que não vem ao caso agora).

Entrelaçando os fios do pensar... Osmar, o atual coordenador do Programa disse, na época, estar elaborando uma proposta de mestrado que abrangeria as linguagens das margens. A proposta era inovadora e original. Faria a diferença na UNEB e em outros programas, explicava. Amei! Concordei e notei a relevância das ideias em formulação. Sonhei vê-las efetivadas.

Encantado com o projeto, o citado professor problematizava a noção de leitura/literatura e a marginalização, nas universidades, dessas linguagens e outros letramentos das diferenças (os quais, aqui, considero linguagens das margens). Depois, saímos da greve e voltamos às lidas diárias em distintos departamentos.

O tempo seguiu seu curso...

Já afastada, morando fora por conta do doutorado, avistei, entre os e-mails, o esboço do projeto de mestrado em fase de elaboração pelo citado professor (e outros/as docentes, se não me falha a memória). Já não era mais um sonho! O Pós-Crítica, desde então, um projeto de vida em estruturação. Daquelas travessias o porvir.

Em 2011, com o programa em curso, tive a alegria de ser convidada a compor a equipe. Antes, porém, a análise de currículo etc. … De lá para cá minha vida girou. E, tenho certeza: a de muita diferente gente que dele fez/faz parte.

O Pós-Crítica, pelo exposto e muito mais, move e mobiliza a seguir em frente como versificou Mario Quintana: O adolescente:

A vida é tão bela que chega a dar medo.

Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita,
mas

esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.
[...]

Adolescente, olha! A vida é nova...
A vida é nova e anda nua
— vestida apenas com o teu desejo!

Assim noto o programa em algumas investidas arrojadas e desafiantes, pois, já senti, nas travessias “esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz/o jovem felino seguir para frente farejando o vento/ao sair, a primeira vez, da gruta”.

O Programa é jovem, avança à “adolescência”, portanto. E, de certa forma, ao sair da “gruta” (da ideia, do papel, das meras burocracias) redimensiona a arte de pensar/pesquisar e viver a academia. Transformamo-nos! (Um dos resultados, vale conferir: https://portal.uneb.br/poscritica/).

No Pós-Crítica/UNEB, novos e constantes desafios: literatura e culturas, modos de produção; letramentos, identidades, formação de educadores/as para as relações étnico-raciais... A literatura e demais artes, sabemos, não estão alheias às injunções do tempo. Seguimos à direção do pensamento da escritora nigeriana Chimamanda Adichie (2008): muitas histórias importam!

Viabilizam-se e visibilizam-se, nas pesquisas, distintas histórias e seus protagonistas. Ou seja, das margens emergem vozes das diferenças através de estudos empreendidos por mestrandos/as da região, adjacência e outros estados.

O Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural (Pós-Crítica/UNEB) é repleto de desafios, é bom destacar! Vai um, vem outro e mais, outros mais, em um mar sem fim de marés altas. Baixas, a simbolizar calmarias? Desconheço. Talvez daí o grande apreço pelo programa apesar de, também, desejar a calmaria dos rios para desanuviar o pensar. Um dia, quiçá! Um dia... Até lá, vida que segue.

O céu é o limite, pois ele, o coordenador (que não é “deste mundo”, ressalto), agregou uma plêiade de estudiosos/as (desse mundo? Talvez não...) nos 10 anos de existência e potências do Programa agora, a alçar novos voos: a internacionalização e a mais recente conquista: o DOUTORADO!

Seguimos, assim, na contramão da história de retrocessos sem precedentes e acintosas perseguições às universidades públicas no país. Nesse pacote, a ameaça de mordaça e o cerceamento à liberdade de expressão. A despeito de tais entraves: resistimos e nos fortalecemos.

Vale ressaltar: o Pós-Crítica é uma semente plantada em solo fértil nas terras da “lagoa pequena”: Alagoinhas. Para germiná-la muita dedicação, suor e sonhos em noites de pouco sono madrugada afora, finais de semana, férias e feriados...

E os sonhos não cessam! O Pós-Crítica rompe barreiras e vai além: BRICS (Rússia, Índia, China e a África do Sul), unindo continentes. Da América do Sul ao Norte... Antes, porém, os diversos estados do país e respectivas instituições.

Para não concluir...

Enfim, deixei-me derramar através de pontinhos pretos nesse espaço em branco para expressar a alegria de fazer parte dessa gente que faz acontecer, a despeito do delicado contexto brasileiro a afetar nossa saúde física e psíquica. Por isso mesmo: Pós-Crítica neles/as!

Gratidão àqueles/as que, antes, com a gente caminhou, mas teve que seguir outras veredas. Viva a UNEB, a “menina dos olhos meus” e o Pós-Crítica, um bonito pedaço do meu viver e reexistir “desafiando o vento”. E, olhe, não citei aqui as dissertações defendidas por orientandos/as, as relações efetivas e afetos, os grupos de pesquisas, companheiros/as docentes...

Diante da exposição que se alongou por demais, chamo à roda desse diálogo em água a importante frase do inesquecível (ex-)presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso político: A educação não se faz com armas, mas com livros. Sábias palavras de um nordestino que fez/faz a diferença e mais investiu nas universidades que, hoje, tentam destruir.

Em nosso caso, querido Lula, diria, a re/educação resulta de dissertações e, em breve, teses, a fortalecer nossas frentes de luta na arena do saber/poder, a academia, onde conquistamos o direito de, juntos, tecer o porvir a começar pelo agora: Olha! A vida é nova.../A vida é nova e anda nua/— vestida apenas com o teu desejo! Pós-Crítica/UNEB!

Agora, enfim, de fato... Pra não dizer que não falei das flores:

... Caminhando e cantando e seguindo a canção...
...Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
(Geraldo Vandré).


Pulando Cercas


Pulando Cercas


Prof. Dr. Edivaldo Conceição Santos
(Docente de Literatura e Cultura Afro-Brasileira e Africana na UNEB)

Dentre os muitos artefatos culturais que veiculam poéticas libertárias, pode-se afirmar que o jornal Heteropia, vinculado ao Programa de Mestrado em Crítica Cultural, sediado na Universidade do Estado da Bahia, Campus II, organiza-se como uma dessas vozes que rompe radicalmente com o conformismo engessado de modelos culturais excludentes, praticados na sociedade brasileira e em outros modelos rançosos de sociedade.

Em textos veiculados no Heteropia, o operador textual vozes ganha novos significados e novos sentidos. Aproximando-se assim de outras tantas vozes tidas como recalcadas e reprimidas, até então não protagonizadas em determinados mosaicos sociais, inclua-se aí as vozes periféricas.

Entender tais vozes, significa replicá-las como deveriam ser, em um universo dinâmico, plural, multicultural, anárquico, necessários à compreensão contemporânea do mundo, em suas múltiplas feições de quereres que ainda primam e devem primar por inclusões de várias ordens em nome da vida e da vida real.

Nesse sentido, tais vozes, ancorados no Programa de Crítica Cultural, ecoam palavras cotidianamente desmontáveis, a exemplo de subalternidade, rizoma, questionamento, desmonte, semiologia, entre-lugar, transvalorizar, reinventar, criar, criticar, etc. Enfim, todas juntas e separadas ganhando novos ecos e asas que plainam em projetos, nos quais, ciência, estética, política e vida, caminham imbricados em produções que contemplam novos saberes e, com isso, esvaziando formas antigas, retrógradas, ainda replicadas pelas elites dominantes na contemporaneidade, plenas de autoritarismos ancorados em práticas de exclusão.

Com efeito, pode-se, portanto, visibilizar no Programa de Crítica Cultural uma nova agenda de saberes cuja produção artística-científica apresenta-se desmontada dos paradigmas retrógrados e, ao mesmo tempo, encenando outras produções libertárias, aliadas à reinvenção e reinvenções. Práticas essas, até então, ausentes nas plataformas dos estudos ditos “avançados”, mas reprodutores e mantenedores dos esquemas alinhados com o capital da e pela dominação explícita das relações culturais.

Ampliando um pouco mais sobre essas questões na contemporaneidade, forja-se, em caráter emergencial, refletirmos também sobre a reinvenção de mecanismos políticos, sociais, educacionais, jurídicos e outros princípios éticos que sirvam à vida como forma de reparação de tantos outros modelos implantados e centrados na exclusão, na perversão e exploração de vários povos do mundo.

Vale ressaltar, nesse mundo também dito brasileiro, que o homem deixe de ser objeto de subordinação das classes dominantes, lutando para chegar à condição de ser sujeito, como já pontuou o educador Paulo Freire.

Nesse sentido, prima-se, cada vez mais, pelas potências de todas as ditas subalternidades periféricas que compõem um vasto tecido social dessa e de tantas outras nações.

Portanto, e a favor de tudo isso, talvez fosse o caso dos heterotopistas alardearem para os quatro cantos do mundo, como vem fazendo; gritando, bye, bye, arcaísmos, tabuísmos, patriarcalismos, machismos, homofobismos, misoginismos, desigualdades forjadas pela selvageria do capital, etc., etc...

Portanto, na continuação deste exemplo de educação, legitima-se pensar os estudos culturais como fuga das arapucas, gaiolas e outras jaulas que nos impuseram. Mas, nos é mais prazeroso, amoroso, nós nos sentirmos livres, cidadãos livres, sujeitos de nossa própria história. Mesmo porque, ao colocarmos os pés no chão, sentindo os cheiros da terra em que nascemos, certamente, desejaremos nos retirar em massa do eterno plano do ideal que as elites nos impuseram, mas sempre visto como desconfiança, por esses mesmos homens da terra, por terem lhes incutido a mentira como suas e nossas realizações.

Portanto, no exercício do Programa, em que todas as linhas de fugas existem, oportunas e necessárias, os exercícios poéticos de liberdade, escancaram para quem quiser ver, ler, ouvir e tentar; nesse sentido, termina sendo também um convite para pular muros, até mesmo, passar por baixo deles, com o objetivo de escapar de toda forma de obscurantismos, fascismos e cerceamentos que nos impõem, como encena o poema de Aldo Aquino, poeta de nenhum lugar e de todo lugar.

Pulando a cerca
Gosto...
Muito de muros...
Tão só para desmontá-los...

Por eles...
E no entorno deles, migro...
De lá para cá...
De cá para lá...
Quando me dá na telha...
Quando na telha me dá...

E todo esse movimento...
Como se eles não existissem...
Em minha maquinaria inventiva...
De desmontar e poemar, vivo.

Gosto muito dos muros...
Esses, que nunca deveriam existir.
Nem aqui, nem ali, nem acolá...


domingo, 18 de agosto de 2019

Pós-Crítica: uma Experiência Rizomática de Vida, Aprendizado, Amizade e Amor


Pós-Crítica: uma Experiência Rizomática de Vida, Aprendizado, Amizade e Amor


Profa. Dra. Mauren Pavão Przybylski
(Pós-Crítica/UNEB; IFBAIANO; LANMO)

Recém-egressa desse programa, onde fui a primeira pós-doutoranda PNPD/Capes, é fácil e ao mesmo tempo bem difícil falar do Pós-Crítica; fácil porque sou só orgulho ao dizer que tive a chance de me formar como professora num programa de excelência, com profissionais sérios e extremamente competentes e de lá, além de tudo isso, ter conhecido pessoas que permanecerão para a vida toda, e difícil porque seu caráter rizomático não nos oferece palavras suficientes para definir tudo que significa ter passado pelo Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural.

Lá fui professora, nas disciplinas que tive o prazer de ministrar dentro e fora do programa — e no exterior, e fui aluna, nos minicursos de professores de fora, além, claro, de nos momentos de trocas em disciplinas com os próprios colegas. A parte tudo isso, pude coordenar um GT da Anpoll trazendo um evento de nível nacional para Alagoinhas.

Nos corredores do Programa, sem saber bem quando, apareceu minha comadre Nazaré Lima. Libriana como eu, é a generosidade e competência em pessoa... espelho daquilo que um dia almejo ser.

Já na rodoviária, no meu primeiro dia de ida ao Pós-Crítica, me deparo com uma jovem que, a meu ver, seria aluna... talvez pela simplicidade e generosidade. Elisangela Santana, professora e pesquisadora competente, tornou-se uma leal, especial e grande amiga.

Foi, também, no nosso querido Pós-Crítica, e pela generosidade do professor José Carlos Felix, que tive uma primeira experiência em banca de mestrado. Aliás, pelo menos no tocante ao meu tempo no programa minhas bancas iniciaram e encerraram com ele (emoção total). Felix, além de tudo, me permitiu dividir com ele e com outro que se tornou um querido amigo-irmão, Roberto Seidel, a disciplina obrigatória de Teorias e Críticas da Cultura. Teria sido apenas mais uma disciplina não fosse lá eu ter conhecido o verdadeiro companheiro para as alegrias e tristezas, o na altura aluno Ricardo Vidal. E a dinda Paulinha, junto com Edisvânio, aniversariante “daquela noite”, responsáveis por tudo!

Marquinhos também é parte importante dessa disciplina e de nossas vidas... e, ainda, nos trouxe Silvio. Impossível citar todos os nomes que fizeram parte desse período... sintam-se contemplados e referenciados, mesmo que não citados um a um.

Das alunas amigas, entre outras, e, primeira de todas, Carlene: guria retada do sertão, me mostrou que verdade e autenticidade aproximam pessoas.

A disciplina de Literatura Comparada, me trouxe a dinda Vyrna Valença Perez, amiga, companheira e com quem posso contar a qualquer momento (“sempre juntas”).

Alguns dos meus alunos como se vê foram, outrossim, pessoas que pela formação de caráter tornaram-se a família que escolhi na Bahia.

Da parte administrativa do programa, Maiara é alguém que mora em meu coração, para sempre, não como funcionaria, mas como amiga. Junto com ela Neila, a primeira a me receber na Bahia e Adnailsa, sempre disponível.

Voltando aos colegas professores, Osmar Moreira, Jailma Pedreira e Aurea Pereira sempre foram apoio, incentivo e amizade. A eles, minha gratidão.

Ari Lima não foi apenas coordenador do grupo de pesquisa de que fiz parte, mas uma voz de afeto e sabedoria.

Mas nenhuma dessas experiências teria sido possível sem o convite de Edil Costa para que eu tentasse a seleção para bolsista.

Enfim, muitas foram as pessoas que atravessaram meu caminho nestes últimos cinco anos... algumas apenas passaram, outras ficaram.

Quanto ao Pós-Crítica, algumas palavras: agradeço pela existência desse programa — espaço de pluralidade, desconstrução, multiculturalidade e aprendizado e desejo, apesar de toda conjuntura que não nos parece favorável, vida longa a este espaço que nos permite ser, estar, dizer e fazer. Feliz 10 anos!


Dez Anos de Crítica Cultural: Agregando a Maquinaria da Potência de Inventar Lugares Outros


Dez Anos de Crítica Cultural: Agregando a Maquinaria da Potência de Inventar Lugares Outros


Nazarete Andrade Mariano
(Mestra em Crítica Cultural/UNEB — turma 2012)

Há aproximadamente sete anos fomos convidados a escrever um breve depoimento em homenagem aos quarenta anos da UNEB. Naquela ocasião estava no primeiro ano do Mestrado em Crítica Cultural como aluna regular. Éramos um número razoável de mestrandos, se não me falha a memória vinte e três mestrandos no total.

Essa turma de 2012 deixou várias marcas! As conquistas... As perdas... As teorias... As práticas... As rupturas... Os desmontes... Os docentes... E as amizades! Amizades estas que carrego para onde vou. Um dos grandes legados que nós, do Programa em Crítica Cultural, construímos!

Os nossos professores e professoras foram bases fundamentais para nos tornarmos os mestres e as mestras que hoje somos. Tanto na labuta da sala de aula da Educação Básica, quanto nos desafios das graduações e nas produções e pesquisas pós-mestrado.

Aprendemos, e ainda estamos aprendendo, a ser, não apenas pesquisadores da Crítica Cultural, mas também aprendemos a transpor nossos olhares para além da teoria, para além da pesquisa! Transpomos esses olhares às rupturas! Para o desmonte! Para a teoria do praticado! Às margens...

Tenho na minha memória recente, que quando me encontrava no papel de orientanda, aprendia a orientar! Quando já não tinha mais o que escrever, nosso orientador chegava com um direcionamento e de uma tranquilidade única.

Porém, quando achávamos que já estávamos confortavelmente com nossas ideias, sempre aparecia um docente a nos lembrar de que éramos estudantes da Crítica Cultural e, como tal, éramos e seríamos uma potência de criar e movimentar dos centros às margens ou das margens aos centros, como em um Rizoma!

Nesse movimento, ligávamos ao que já sabíamos com aquilo que estávamos conhecendo e redescobrindo. Assim, surgiam os desmontes! Desmonte que cada um levou a partir de sua construção enquanto pesquisador de um Programa em Crítica Cultural. Rompendo com a velha base e agregando a maquinaria como potência de inventar e reinventar.

Vejo que o Crítica Cultural nos ajuda a garantir o tão sonhado lugar de criação, principalmente na linha de Letramento e formação docente. E foi pensando esse lugar de criação docente que me encontrei e, até hoje sigo, tentando descobrir cada vez mais esse lugar para as criações docentes.

A teoria, principalmente a teoria do praticado, nos sensibiliza ao deslocamento. Nesse movimentar surge a potência de criação, de produção! Da pesquisa e das produções desenvolvidas durante o mestrado, tive o privilégio de produzir o meu primeiro livro, pois a minha dissertação foi adaptada na sua publicação. Sem esse aporte dado pelo Programa em Crítica Cultural, e sem as amizades construídas, não seria possível.

Nessa caminhada, também tivemos perdas! A principal delas foi de nosso colega de turma que seguiu para outro plano. Arthur nos deixou de maneira abrupta, rompendo sua vida e fazendo com que refletíssemos sobre a brevidade da vida. A brevidade das relações. A brevidade...

Nessa brevidade já foram dez anos do nosso dileto Programa Crítica Cultural. Faço parte da terceira turma e, aproximadamente há sete anos que iniciamos essas “viagens” rompendo não somente as fronteiras vizinhas, como também as fronteiras das nossas limitações: de tempo, espaços e de conhecimentos.

Olhando pelo retrovisor, percebo que já temos cinco anos de espera. Isso mesmo, de espera! Espera para iniciarmos a nossa turma de um possível doutorado. O sonho de novos encontros e reencontros, e de seguir com as rupturas, com os desmontes, com a potência dessa maquinaria que é o Programa em Crítica Cultural.

Tive a felicidade de seguir com conquistas que surgiram dessa maquinaria. Continuo com pés no chão da escola. Todavia, a prática e o olhar são outros. Somos levados a pensar diariamente outros pensamentos, somos levados a olhar por outros ângulos...

E o meu lugar de criação docente? E o meu lugar para com a maquinaria da potência de ser um crítico cultural atuante? Ora, vamos abrindo as brechas e desenvolvendo práticas de letramentos; práticas essas, carregadas de um olhar as identidades de nossos estudantes, tanto da Educação Básica, quanto nas Universidades.

Logo, percebo quantas conquistas foram agregadas na minha vida, desde as viagens semanais que fazia como aluna especial em 2011, até a minha espera para assumir meu concurso da UPE. Só tenho a agradecer todos os encontros e os espaços de criações aos quais fui e continuo sendo inserida.


105 KM que Conduzem à Realização de um Sonho


105 KM que Conduzem à Realização de um Sonho


Licia Maria Andrade de Carvalho Magalhães
(Mestranda em Crítica Cultural/UNEB, turma 2019.1)

Em 2004 concluí a graduação em Letras Vernáculas na UFBA e já acalentava o sonho de cursar um mestrado, pois já frequentava o grupo de pesquisa, coordenado pela Profa. Dra. Florentina Souza, “Etnicidades — História e Memória de Afrodescendência”, no qual pesquisei questões de identidade no compositor e cantor paraibano Chico César e depois a cidade de Salvador na obra contística do escritor baiano Aramis Ribeiro Costa. A pesquisa me encantou, me arrebatou, bem como as leituras para a composição do referencial teórico.

Tentei algumas vezes o ingresso no mestrado na UFBA e também na UNEB, mas não ingressei, parecia que o tempo, o Universo, me preparava para hoje estar no Pós-Crítica/UNEB, Campus II — Alagoinhas.

Em 2018 a Profa. Dra. Suely Messeder fez contato comigo convidando-me a participar do I Encontro de Produção, Gestão e Difusão do Conhecimento, como representante do Colégio Estadual de Monte Gordo, do qual era gestora. Conversei com as equipes gestora, docente e Grêmio Estudantil e todos aceitaram participar e o evento foi muito proveitoso.

Através deste contato e da realização desta atividade, a Professora Suely me convidou para frequentar as reuniões do Enlace — Núcleo de Pesquisa. Em contato com os membros do grupo e as discussões empreendidas, o sonho de cursar o mestrado foi reaceso.

Assim, num momento difícil, pois minha mãe idosa ficou doente e internada, sou a caçula de três filhos e única mulher, com o incentivo de Suely, de minha filha Maria Clara Magalhães, do meu filho Pedro Magalhães e de Fabiane Guimarães, colega do Enlace e aluna do Pós-Crítica, me inscrevi para participar da seleção deste Programa.

Durante todo o mês de outubro, enquanto minha mãe estava internada e eu de acompanhante, era produzindo o anteprojeto e estudando os textos indicados para a seleção. Isto me marcou muito positivamente, era o tudo ou o nada. O momento era aquele e não havia espaço na minha cabeça para pensar em trabalho, sou professora de Português no estado e no município de Camaçari, ou pensar no fato do curso ser ministrado em outra cidade. As atenções eram para minha mãe e para a seleção.

Foram cinco etapas, uma grande expectativa a cada resultado. A cada lista a ansiedade dobrava. Documentação, análise do anteprojeto, prova escrita, prova de língua estrangeira e entrevista. Ver meu nome na lista final foi uma felicidade indescritível, pois foi a realização de um sonho.

Fica para mim e digo para as outras pessoas, que sonhar vale a pena, pois em algum momento a realização acontece.

Hoje, cada encontro com docentes, com colegas, novos afetos, cada texto, discussões me dão a certeza de que vale muito a pena os 105 km percorridos semanalmente. Toda a preparação para a ida é motivada pela convicção de que escolhi o programa certo, pois fui aprovada também no ProfLetras/UFBA, e me dá uma grande satisfação pessoal.

Ser uma Crítica Cultural é estar com os sentidos aguçados para a percepção do mundo de forma mais lúcida e coerente, porém sem deixar a leveza, sem impedir o nascimento de novos sonhos e mais intensa para trilhar outros caminhos.

Toda a dedicação da equipe docente, da equipe administrativa me faz sentir no lugar certo. O tratamento dispensado por estas equipes nos faz sentirmos especiais e com o desejo de produzir e seguir adiante.

São 10 anos do Programa, parabenizo e desejo vida longa e que todos nós possamos fazer a diferença no meio acadêmico e nos outros meios que permeamos.


O Crítica Cultural não é uma Crítica Cultural


O Crítica Cultural não é uma Crítica Cultural


Fagner Costa e Silva
(Graduado em Letras e Filosofia; Mestre em Crítica cultural/UNEB;
Docente da Faculdade Ages de Tucano)

“A crítica cultural não é uma crítica ‘cultural’” (JUSTINO, 2015, p. 11). Para quem deseja adentrar nos estudos pautados pela crítica cultural, a afirmação em destaque é no mínimo frustrante. Luciano Barbosa Justino (SANTOS, 2015), ao prefaciar o livro Primeiros passos de um crítico cultural, de Osmar Moreira (2015), explica sobre a composição da área, não se fechando em nenhum conceito clarividente, utiliza um procedimento metodológico no qual deixa as definições trabalhadas sempre abertas.

Duas outras pensadoras corroboram com tal procedimento na tentativa de elucidação do que seria a crítica cultural: Eneida Maria de Souza (2012), que, embora elenque em seu texto Crítica cultural em ritmo latino-americano modos de atuar na área, suas origens e até seus princípios metodológicos, também não fecha a definição do espaço crítico cultural. Nelly Richard (2005), reconhecida estudiosa do campo, fala em seu texto sobre o caráter pluridisciplinar e muticultural da área, e, por sua vez, deixa os conceitos que poderiam se referir ao universo de estudo da crítica cultural, também, em aberto.

Quando desembarquei em 2016 como aluno no Mestrado em Critica Cultural em Alagoinhas, uma das minhas primeiras busca como pesquisador foi tentar compreender melhor o conceito do campo que batiza o programa. De início, confesso que me senti bastante frustrado. Por um lado, não conseguia encontrar a essência (quanta inocência) do conceito no mapeamento das falas dos professores e, por outro lado, muitas vezes, encontrava, inclusive, uma oposição conceitual na definição da área.

Julgava que a busca em tentar entender o conceito de crítica cultural era o primeiro passo consistente para se constituir como mestre da área, estas indefinições do conceito no programa e uma esquiva generalizada em não se autorrotular me causava muito desconforto. Queria, como Hegel, encontrar o espírito absoluto da coisa, resumir o que vinha estudando em um conceito.

A tradição da teoria da literatura a que estava vinculado, positivista, filológica, por mais que se pintassem como pós-modernos, exigia o conceito para alicerçar o objeto de trabalho. E eu, vinculado aos meus mestres de outros centros de estudos, achava importante ter uma perspectiva crítica cultural para escrever uma dissertação em um mestrado que leva o nome da área.

Entre buscas e rizomas não consegui fechar tal conceito, não cheguei ao fim do curso com êxito na procura de um verbete satisfatório para o campo de estudo. Talvez encontremos alguns, que poderiam satisfazer minha postura pré-crítica, mas, ao contrário do que a área dos estudos literários, que tem seu método de trabalho autoexplicativo em seu nome, nesse cenário, os espinhos são constantes para descrever sua atuação e, mesmo figuras que dedicam sua vida há muito mais tempo do que eu a este campo, reconhecem a dificuldade que é manusear este conceito, observemos o que o professor do programa Roberto Henrique Seidel nos diz:

Não se pode considerar o conceito de crítica, nem tampouco o de crítica cultural como auto-evidentes, uma confusão mental prontamente se estabelece [...] Essa confusão pode ser explicada parcialmente por conta do adicional do adjetivo “cultural”— visto a própria noção de cultura estar longe de ser consensual (SEIDEL, 2008, p. 1).

Procurei aqui e ali, observei os protagonistas de muitas definições, passei por muitos teóricos, anotei apressadamente as tentativas de conceituações dos professores e ficava cada vez mais confuso.

O insite para minha busca encontrei em uma viagem de volta para casa, em algum lugar do trecho entre Alagoinhas a Euclides da Cunha, esparramado de cansaço na poltrona do ônibus, com fones nos ouvidos, Raul Seixas (1974), como um sábio profeta me diz: “Tem gente que passa a vida inteira travando uma inútil luta contra os galhos, sem saber que é lá no tronco que esta o coringa do baralho”.

Era isso, antes de chegar aos fins era preciso compreender a engrenagem que movimenta o funcionamento da área e, se chegarmos a um consenso sobre o campo (ou se formos aos galhos), ele pode limitar estudos de novos objetos da cultura. A perspectiva de estudo pautada no campo da crítica cultural se assemelha à ideia de Trotsky sobre revolução permanente, temos que nos ressignificar constantemente; a crítica cultural é nutrida pela transdisciplinaridade e a progressão das disciplinas que compõe seu corpo inevitavelmente contribui para o desenvolvimento de sua sistemática; portanto, encontra-se sempre em transformação, e cabe a seus membros acompanhar tais mudanças. 

No decorrer no curso, depois de muitas aulas assistidas, tendo acesso a inúmeros teóricos, misturando as citações, sintomas de dejavu em diferentes leituras de diferentes componentes curriculares, se aprofundando em determinados temas, conhecendo a superfície de outros, se destaca uma impressão quase constatada: A política no campo teórico-acadêmico no programa em Crítica cultural da UNEB é encarada de maneira concreta e, assim como nos estudos culturais, ela mescla-se com a teoria (SOUZA, (2012); trata-se de uma disciplina de ação, que procura entender como o conhecimento produzindo nas discussões em sala de aula poderá mudar a realidade fora dela.

De maneira muito particular, isso foi o que mais mexeu comigo: tentar unir meu trabalho teórico com uma prática de ação. Parti desta inquietação e tracei como objetivo de pesquisa a seguinte proposição: “Como meu projeto, genuinamente teórico e pautado em um texto ficcional, poderia se transformar também um projeto político e de ação?”.

Encontrando-me no “tronco da arvore”, segui algumas pistas, como um caçador faz com sua presa (GINZBURG, 1989), exclui e aceitei muitas hipóteses, tentei superar obstáculos epistemológicos que surgiram no caminho (BACHELARD, 2005), busquei frestas de sombras nas luzes do tempo da pesquisa (AGAMBEN, 2009) e através delas tentei vislumbrar um processo de análise para um objetivo de pesquisa, que, ao mesmo tempo, possa ter um viés político e estético. Tentei seguir um caminho que se debruçasse sobre a composição da obra artística, procurei enxergar as singularidades do autor enquanto produtor do texto, ao tempo em que analisa as particularidades com o social, com o local em que a obra foi produzida, com as denúncias que fez ou deixou de fazer, e tentar comparar o cenário em que o documento/obra foi concebido com os dias em que a pesquisa foi elaborada.

Acreditava que havia encontrado um percurso sólido depois que já havia construído meu mapa metodológico e teórico para a escrita, que, como minha pesquisa pedia, este percurso era genuinamente teórico, mas a vivência com os membros do Crítica Cultural sempre me guardava outras surpresas. Fui do céu ao inferno! Mas me pergunto: Qual estudante de pós-graduação no Brasil não foi? Alguns em menor outros em maiores intensidades. Descobrir que o sofrimento e a dor faz parte do processo de produção.

Problemas em minha vida particular eclodiram em proporções que jamais havia experimentado, tive que me reinventar como ser humano e descobri uma saída para um labirinto que não sabia que habitava em mim. Foi esta a segunda chave que me fez emergir no universo da crítica cultural, experimentar a construção de um trabalho intelectual com minha matéria passando por um turbilhão de problemas e dilemas, com um sofrimento e uma crise existencial que jamais sentira antes. Precisei inverter e desconstruir minha lógica de produção, foi só quando senti o peso do mundo nos meus ombros que pude, com respaldo, começar a discorrer sobre experiência, autobiografia e autoficção.

Além dos problemas particulares, o país também passava por uma crise política, a qual afetou fortemente todos os envolvidos no programa. O golpe sofrido pela presidenta Dilma Roussef nos abateu, nos consolávamos mutuamente e tentávamos em nossas lamúrias encontrar uma saída para aquele desfragmento da democracia brasileira. Fosse no apartamento que dividia com os colegas Edivanio e Marcelise ou no campus da UNEB com os professores e os outros membros da turma, um misto de tristeza e desilusão tomou conta dos mestrandos de 2016; mas apesar de todo este trauma coletivo, sorríamos, não sei explicar ao certo, mas o riso era uma das nossas marcas mais fortes.

Sartre diz que o “silêncio é reacionário”. Comecei, diante de todos os acontecimentos que pairavam no período, a pensar que seria reacionária qualquer atividade intelectual produzida no Brasil naquele período que não levasse em conta o cenário político que o país atravessava. Seja qual tema fosse abordado, tínhamos o dever histórico de alertar os nossos leitores sobre o risco que corria o estado de direito e todas as conquistas sociais alcançadas nas últimas décadas. Meu trabalho, que a priore se privava destas críticas, mudou de direção. E mesmo discutindo fatos de um passado e de uma perspectiva teórica, busquei, no período em que as obras que estudava foram produzidas, uma fresta para compreender o tempo presente.

Foi inevitável não modificar o olhar sobre o meu objeto de pesquisa, influenciado por teóricos estudados em sala de aula, nas discussões com os colegas ou nas retóricas dos professores. Minha perspectiva de trabalho transformou-se, partindo dos estudos literários para a crítica cultural, não chamaria de uma migração completa, já que parte significativa do alicerce teórico se encontra nesta primeira área, não pretendo abandoná-la, refutá-la ou negá-la, talvez criticá-la em alguns pontos, mas minha intenção é contribuir com sua ressignificação em algumas proposições e associada à teoria presente na área da crítica cultural, de fazer uma análise precisa dosando elementos políticos e teóricos.

Esta dosagem foi talvez a melhor coisa que aprendi no Crítica Cultural, além da ideia de busca. O professor Washington me instigou para buscar os “restos” da cultura; Felix a buscar os fragmentos que a ascensão de certas culturas deixa para trás; Osmar a buscar viver e não só conceituar política; Jailma a buscar a alteridade no outro; Neuma a buscar na indignação um sentido para continuar lutando e pensando; Berenice a buscar na educação um sentido de vida; e Seidel, a buscar em mim a chave para minhas angústias e para minha liberdade.

Me transformei em dois anos que me envolvi com o programa. Não digo isso porque adquiri um título de mestre, mas porque aprendi a ser mais humano e comprometido com o papel que um intelectual deve ter com o mundo em que vive. A felicidade e a dor de se iniciar na pesquisa de stricto sensu faz com que não sejamos mais os mesmos; inevitavelmente ficamos mais conscientes de nós mesmos e é esta consciência nos dá força e medo.

A respeito da minha primeira busca, continuo no caminho e acredito que, como certeza palpável, apenas inverti a dialética de procura. Não adoto mais a totalidade de uma perspectiva idealista de procura, na qual o fim é o conceito. Aprendi a trilhar também um viés da matéria, em que o conceito serve para mudarmos as coisas que estão ao nosso redor. Hoje sei que o Crítica Cultural não é uma crítica cultural, talvez até saiba o que ela possa significar, só não posso ousar a conceituar, pois o que a crítica cultural e o Crítica Cultural significam para mim, vai além de elaborações de linguagens, são partes de mim e sou parte deles, não me ousaria conceituar para não perder o encanto. 

Referências:
AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da historia. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo e outros ensaios. Trad. Vinicius N. Honesko. Chapecó: Argos, 2009.
AGAMBEN, Giorgio. O homem sem conteúdo. Belo Horizonte. Autêntica, 2013.
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Introdução: Rizoma. In: Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Ana Lúcia Oliveira. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995, p. 7-37.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.
FONSECA, Rubem. José Rubem Fonseca. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
FONSECA, Rubem. O romance morreu: crônicas. São Paulo: Cia. das Letras, 2007.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. 1ª reimpr. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
JUSTINO, Luciano. Apresentação. In: SANTOS, Osmar Moreira dos. Primeiros passos de um crítico cultural. Salvador. EDUNEB, 2015.
RICHARD, Nelly. Globalización académica, estudios culturales y crítica latinoamericana. In: Cultura, política y sociedad: Perspectivas latinoamericanas. Daniel Mato. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. 2005, p. 455-470. Acceso al texto completo:  http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/grupos/mato/Richard.rtf.
SANTOS, Osmar Moreira dos. Primeiros passos de um crítico cultural. Salvador. EDUNEB, 2015.
SEIDEL, Roberto H. Crítica cultural, crítica social e debate acadêmico e intelectual. Revista de Linguagem, Cultura e Discurso, ano 5, n. 9, jul.-dez. 2008. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4998460.pdf.
SOUZA, Eneida Maria de. Tempo de pós-crítica: Ensaios. Belo Horizonte. Editora UFMG, 2012.
WILLIAMS Raymond. Definindo uma cultura democrática. Trad. Maria Elisa Cevasco. In: Recursos da esperança. São Paulo: Editora Unesp, 2014, p. 3-58.